quarta-feira, 4 de junho de 2008

É POSSÍVEL MUDAR.



Notícia publicada na edição de 29/05/2008 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.


O comum, o corriqueiro, não é noticiado. Se os crimes estão na TV, nos jornais e nos portais da internet, é porque não são a regra, e sim a exceção
A crença de que as pessoas podem mudar - e de que se pode mudar as pessoas, levando-as a transformações positivas através de estímulos, vivências, conhecimento e reflexão - não tem muitos adeptos no Brasil, pelo menos quando o assunto é criminalidade e recuperação de infratores.
Pesquisa realizada em 2002 pelo Instituto Datafolha mostrou que 51% dos brasileiros defendem a pena de morte e 72%, a prisão perpétua (castigos proibidos pela Constituição Federal, juntamente com os trabalhos forçados e o exílio).
Mais recentemente, em 2007, outra consulta, levada a efeito pelo DataSenado, mostrou que, para 87% dos entrevistados, os adolescentes infratores que não atingiram ainda a maioridade legal devem sofrer as mesmas punições impostas aos adultos.
A maior parte destes (36%) afirmou acreditar que a imputabilidade deveria começar aos 16 anos, mas houve quem defendesse que a idade ideal para aplicação de penas seria 12 anos (21%) ou, mesmo, a "qualquer idade" (14%). O que equivale a dizer que um em cada três brasileiros acha que crianças de 12 anos ou até menores poderiam ser jogadas na prisão.
Não é preciso ser um cientista social para perceber que essas pesquisas refletem o medo de cada pessoa, conservado em estado de ebulição permanente pelos fatos reais que compõem o dia-a-dia das grandes cidades e potencializado pela exploração exagerada do noticiário policial, em muitos órgãos de imprensa.
Ao manter um foco permanente sobre os crimes bárbaros e as crueldades, a imprensa colabora para reforçar a idéia de que essas ocorrências se tornaram comuns, o que não é verdade. O comum, o corriqueiro, não é noticiado. Se os crimes estão na TV, nos jornais e nos portais da internet (que, na falta de grandes tragédias em território nacional, recorrem às mazelas de rincões perdidos em outros continentes), é porque não são a regra, e sim a exceção.
Infelizmente, essa percepção exacerbada dos fatos distorce também a visão que se tem da estrutura legal e institucional voltada para a recuperação do adolescente infrator, que aparece no noticiário quando foge da Febem (agora Casa), mas quase nunca quando sai pela porta da frente, de cabeça erguida e recuperado. Não que essa estrutura seja perfeita (em muitos aspectos, o Estatuto da Criança e do Adolescente sequer saiu do papel, 18 anos após entrar em vigor), mas ela, apesar de deficiências profundas, produz bons resultados. Um exemplo feliz, porém não único, pôde ser conhecido pelos leitores deste jornal em sua edição de ontem, com a história do rapaz M.L.M., ex-viciado e infrator, que acaba de passar no vestibular.
Do relato, reproduzido com sensibilidade pelo repórter Leandro Nogueira, sobressaem muitas conclusões, mas talvez a principal delas seja a de que as pessoas podem, sim, mudar para melhor, habilitando-se a ocupar um novo espaço na sociedade, na família e na vida, quando tratadas com dignidade e despertadas para sua própria importância enquanto seres humanos e cidadãos.
Para M., essa consciência chegou com os estudos e a descoberta de uma existência espiritual, que as drogas e o materialismo não lhe permitiam perceber.
Sua fala é o testemunho de alguém que renasceu. E, para que chegasse a essa vida nova, percorrendo um tortuoso caminho interior, bastou que saísse das ruas (situação paradoxal, em que a privação de liberdade acabou sendo uma tábua de salvação) e fosse colocado dentro de uma sala de aula. Lá, entre livros e cadernos, reinventou a si mesmo e ao próprio destino.
Contra toda uma maré de medo e desesperança, histórias como a desse rapaz provam que vale a pena investir na formação do ser humano, com fé verdadeira em sua capacidade de absorver novos valores e de se transformar.

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